O lançamento do ChatGPT, da norte-americana OpenIA, reacendeu o debate em diversos países sobre a necessidade de regulamentar a inteligência artificial (IA), a fim de mitigar os impactos e os potenciais riscos dessa nova tecnologia em áreas como o mercado de trabalho.
Na semana passada, uma carta aberta pedindo uma moratória nos treinamentos das máquinas de aprendizado profundo reforçou o debate.
Ainda que alguns dos principais signatários da carta tenham sido alvo de suspeita de interesses comerciais, já que isto lhes daria tempo de alcançar a OpenIA, alguns dos argumentos levantados no documento são compartilhados por pesquisadores isentos.
No Brasil, já existem algumas iniciativas empresariais e governamentais, mas isto ainda não produziu uma legislação que estabeleça as diretrizes para regular a IA no país.
“Há algumas iniciativas setoriais voltadas a regulamentar a inteligência artificial no Brasil, mas que não se configuram como uma estratégia ou política pública. E temos que ter,” avaliou Dora Kaufman, professora da PUC de São Paulo e pesquisadora dos impactos sociais e éticos da IA.
De acordo com Dora, dentre as propostas de regulamentação da IA existentes internacionalmente, há oito que são consideradas mais relevantes, lançadas por países estratégicos nesse tema. Em comum, elas têm orçamento definido para implementá-las e contemplam aspectos como os impactos da IA na educação e no mercado de trabalho.
No Brasil, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação lançou a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (Ebia), enquanto o projeto de lei 21/20 tenta criar o marco legal do desenvolvimento e uso da IA no país. Aprovada no plenário da Câmara dos Deputados em setembro de 2021, após um período de consulta pública, a proposta seguiu para tramitação no Senado.
Mas a versão do projeto de lei elaborado na Câmara não agradou a todos. “Não sei qual o entendimento que os deputados que aprovaram a proposta têm sobre a inteligência artificial e temo que saia um projeto que não represente, de fato, o que é preciso para proteger o usuário, a reputação das instituições e a sociedade em geral,” afirmou Dora.
Apesar da necessidade de regulamentação e da existência de propostas de políticas públicas, nenhum país conseguiu avançar nesse sentido. “O processo está mais avançado hoje na Comissão Europeia, que começou em 2018, foi colocado em consulta pública em novembro de 2022, já teve mais de 3 mil emendas e ainda não chegou a um resultado final,” disse a pesquisadora.
Por que regulamentar a IA?
Na avaliação da pesquisadora, uma das principais razões pelas quais é preciso regulamentar a IA mundialmente é que se trata de uma tecnologia de propósito geral, que reconfigura a lógica e o funcionamento das sociedades.
“Se considerarmos os últimos séculos, tivemos três tecnologias de propósito geral anteriores à IA: O carvão, que deu início à Revolução Industrial, a eletricidade e a mutação genética,” enumerou.
Outra razão é a globalização, uma vez que os dados usados para treinar os algoritmos de IA não têm nacionalidade, podendo ser oriundos de qualquer lugar do mundo. “É uma tecnologia que não tem territorialidade, é muita complexa e avança muito rápido”, afirmou Dora.
Por outro lado, hoje o desenvolvimento da IA se concentra em cinco empresas privadas norte-americanas, que definem uma excitação geral, e talvez exagerada, sobre as potencialidades da nova tecnologia. “Nós vivemos no ano passado também o hype do metaverso, que desapareceu e agora deu lugar à IA generativa. E isso está relacionado com a competição acirrada entre essas empresas que lideram a implementação da IA,” disse.
No quesito desenvolvimento, o Brasil não demonstra qualquer competitividade na área de inteligência artificial. Na verdade há uma falta de profissionais especializados até mesmo para dar sustentação às discussões sobre a legislação.
“É mais difícil achar esses profissionais para elaborar o regulamento no país. Embora trabalhemos nessa área há vários anos, agora que está começando a aumentar a formação de pessoas em ciência de dados. Seria muito interessante o país tomar a frente nesse processo e fazer algo que seja pelo menos básico, lançar, receber sugestões e ir melhorando ao longo do tempo”, avaliou João Paulo Papa, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Fonte: Inovação Tecnológica.
Imagem de capa de Gerd Altmann por Pixabay.