Depois das corridas armamentista e espacial, podemos dizer que a nova corrida mundial é a energética, mais precisamente, encontrar uma fonte de energia que seja, ao mesmo tempo, viável, confiável e sustentável.
Com o aumento da temperatura global trazendo inundações, incêndios e nuvens de poeira a todos os cantos da terra, a necessidade de uma produção de energia livre de emissões de gases do efeito estufa nunca foi tão clara.
Como promessa dessa energia futura mundial, o foco tem sido a fusão nuclear, numa tentativa de atingir a viabilidade dessa energia, produzi-la em grande escala e usá-la para alimentar o planeta – o que parece ser o maior desafio científico e tecnológico que a humanidade já enfrentou.
O que é e como funciona
A ideia da energia de fusão intrigou os cientistas por quase 100 anos, quando eles descobriram e começaram a entender o processo que alimenta o sol e as estrelas.
Uma reação de fusão ocorre quando os átomos se fundem, e poderia gerar quatro vezes mais energia do que os reatores de fissão de hoje, que geram energia a partir do processo inverso, ou seja, da quebra dos átomos.
A fusão é a fonte de energia onipresente do universo: é o que faz o sol e as estrelas brilharem, e é a reação que criou a maioria dos átomos de que somos feitos.
O processo não gera resíduos radioativos de longo prazo como a fissão, e usa isótopos de hidrogênio como combustível, que estão prontamente disponíveis e podem ser extraídos da água do mar, tendo o hélio como produto residual, formado quando as partículas de hidrogênio se juntam.
O mais importante dessa energia é o controle sobre os estados ligado ou desligado, o que significa que a fusão é um recurso de energia confiável e firme, capaz de complementar as energias renováveis já existentes.
Além disso, a fusão pode gerar cerca de quatro milhões de vezes mais energia do que queimar carvão, sem produzir gases de efeito estufa.
As usinas baseadas na fusão também ocupariam pouco espaço em comparação com a energia que seriam capazes de gerar.
Os desafios para a viabilidade
A única desvantagem é que tudo ainda é mais teórico do que prático.
Os pesquisadores têm trabalhado com energia de fusão desde 1950 e ainda precisam construir um reator que possa produzir mais energia do que consome.
Para gerar esse tipo de energia, os isótopos de hidrogênio precisam de um ambiente superaquecido por tempo suficiente para que seus átomos se combinem e criem o novo elemento hélio. Nessa conversão, uma tonelada de energia pode ser liberada.
No entanto, quando comparamos a taxa de potência saindo com a energia que entra no sistema, ou seja, a real energia líquida gerada no fim do processo, ela ainda é pequena demais.
Muita energia ainda é necessária para aquecer o sistema, executar toda a operação, construir todo o equipamento e controlar todo o processo.
No fim, uma usina de fusão em funcionamento provavelmente precisaria gerar pelo menos 30 vezes mais energia do que o gasto energético de produção, o que ainda não se viu na prática.
No entanto, aumentar o ganho de energia é apenas uma das dificuldades em tornar a fusão uma fonte de energia viável.
Um reator comercial terá que resolver vários problemas de engenharia complicados, como extrair a energia do calor e encontrar materiais que irão resistir ao bombardeio implacável que a câmara do reator receberá ao longo de sua vida.
Os ímãs são a abordagem mais popular para controlar os reatores de fusão porque a bola de plasma superaquecido (geralmente usada) em seu coração é composta de partículas carregadas que podem ser encurraladas usando campos magnéticos.
A maioria dos reatores de fusão usa um projeto chamado Tokamak, que confina o plasma em um recipiente em forma de “rosca” com um grande ímã no meio e muitas bobinas magnéticas em volta do recipiente.
Startups e mega projetos mundiais
O progresso na fusão tem se acelerado na última década.
Andrew Holland, Diretor Executivo da Fusion Industry Association (Associação da Industria de Fusão Nuclear dos Estados Unidos), estima que mais de US$ 1,5 bilhão já foi investido em startups de energia de fusão.
Um dos maiores patrocinadores mundiais, inclusive, é o Bill Gates, que nomeou a fusão como uma de suas 10 tecnologias inovadoras de 2019.
Na corrida mundial, dois mega projetos estão em destaque:
National Ignition Facility (NIF)
Instalada no Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, a NIF é uma área de pesquisa de fusão nuclear de US$ 3,5 bilhões dos Estados Unidos.
O curioso é que ela não foi projetada para servir como um protótipo de usina de energia, mas sim para sondar as reações de fusão no coração das armas termonucleares.
No entanto, depois que os Estados Unidos proibiram os testes nucleares subterrâneos no final da Guerra Fria em 1992, o departamento de energia propôs o NIF como parte de um Programa de Gerenciamento de Estoque de base científica.
O NIF usa um poderoso laser para aquecer e comprimir combustível de hidrogênio, na forma de deutério e trítio, a fim de fundir os atomos e liberar energia.
O local tem dez andares de altura e abrange a área de três campos de futebol americano.
Em agosto desse ano, o laboratório deu um passo inédito na busca pela fusão nuclear de enormes proporções.
Em um processo chamado de fusão nuclear com confinamento inercial, 192 raios de laser da instalação do NIF — a maior concentração de energia do mundo — são direcionados a uma cápsula do tamanho de um grão de pimenta.
O procedimento comprime o combustível e o aquece a 100 milhões de graus Celsius — mais quente que o centro do sol. Essas condições ajudam a iniciar a fusão termonuclear.
O experimento realizado em 8 de agosto rendeu 1,35 megajoules (MJ) de energia — cerca de 70% da energia do laser que chega à cápsula de combustível. Alcançar a ignição significa obter um rendimento de fusão superior aos 1,9 MJ aplicados pelo laser.
“Este é um grande avanço para a pesquisa com a fusão e para toda a comunidade envolvida nisso “, disse à BBC News Debbie Callahan, física do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, local o de está o NIF.
International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER)
O ITER (Reator Experimental Termonuclear Internacional, em português) é outro megaprojeto de fusão nuclear, e é considerado a iniciativa internacional mais bem financiada do mundo, com um custo total de US$ 22 bilhões pago por sete potências mundiais: China, União Europeia, Índia, Japão, Coreia do Sul, Rússia e Estados Unidos.
O centro de pesquisa está no no sul da França, e espera demonstrar a viabilidade da fusão ao gerar pelo menos 10 vezes mais energia do que consome.
O enorme reator teste do ITER tem a forma de rosca (Tokamak) e é frequentemente rotulado como o maior experimento científico do mundo.
A abordagem do ITER é diferente da norte-americana. A pesquisa do ITER utiliza campos magnéticos para conter plasma quente, um gás eletricamente carregado. Este conceito é conhecido como fusão por confinamento magnético.
O objetivo da planta experimental do ITER é demonstrar que a energia de fusão pode ser gerada de forma sustentável e segura em escala comercial até o ano de 2035.
Fontes e referências
Imagem de capa: O Sol pelas Imagens Atmosféricas do Observatório Solar Dynamics da NASA.
Arthur Turrell. The race to give nuclear fusion a role in the climate emergency. The Guardian. Setembro, 2021.
Melanie Windridge. The New Space Race Is Fusion Energy. Forbes. Outubro, 2020.
Katie Brigham. The race is on to replicate the power of the sun with fusion energy. CNBC. 2019.
Moritz von der Linden. Three Technology Breakthroughs Bringing Abundant Clean Energy Within Reach. Forbes. Setembro, 2021.
Elizabeth Gibney. Fuel for world’s largest fusion reactor ITER is set for test run. Nature. Fevereiro, 2021.
Paul Rincon. Fusão nuclear: o laboratório que está prestes a atingir um marco na busca pela energia ilimitada. BBC news. 22 agosto, 2021.