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A vida no 432 Park Avenue: o supertall milionário com 1.500 defeitos

por Taina Bueno

Em fevereiro desse ano, o jornal norte-americano The New York Times publicou uma reportagem revelando as reclamações dos moradores do 432 Park Avenue, que já foi o edifício residencial mais alto do mundo e um símbolo do boom de condomínios de luxo da última década.

A torre de 426 metros e 85 andares, no centro da ilha de Manhattan, em Nova Iorque, além de impressionar por ser altíssima e estreita, é considerada uma das mais caras, secretas e exclusivas da cidade desde sua inauguração, em 2015.

Para se ter uma ideia, a cobertura foi vendida em 2016 por quase 88 milhões de dólares a uma empresa que representa o magnata saudita do varejo Fawaz Alhokair.

A atriz Jennifer Lopez também comprou um apartamento de 372 metros quadrados lá por 15,3 milhões de dólares em 2018.

O edifício 432 Park Avenue
O edifício 432 Park Avenue. Fonte: hypeness.

No entanto, a maioria dos residentes da torre, entre os quais estão artistas e milionários que buscam luxo e discrição, estão agora em conflito com os responsáveis pelo projeto e execução do edifício, deixando claro ao mundo que mesmo os apartamentos com preços multimilionários não garantem uma vida livre de problemas.

As reivindicações incluem milhões de dólares em danos causados ​​pela água devido a problemas mecânicos e de encanamento; mau funcionamento frequente do elevador; e paredes que rangem como a galera de um navio – todas podendo estar conectadas ao principal ponto de venda do edifício: sua imensa altura, segundo proprietários, engenheiros e documentos obtidos e discutidos pelo The New York Times.

Os “perrengues” da vida nas alturas

Para começar, a torre sofreu uma série de inundações, incluindo dois vazamentos em novembro de 2018.

O primeiro vazamento, em 22 de novembro, foi causado por um flange “estourado”, um colar estriado que conecta a tubulação, em torno de uma fonte de água de alta pressão no 60º andar.

Quatro dias depois, uma “falha na linha de água” no 74º andar fez com que a água entrasse nos poços do elevador, retirando dois dos quatro elevadores residenciais de serviço por semanas.

A intensidade do vento também é um grande problema, e já parou os elevadores e manteve uma pessoa “presa” por quase uma hora e meia em um alto andar – e, segundo consta, em um prédio tão alto os incidentes por conta do vento são frequentes.

Rangidos e barulhos estranhos, ressoando nos apartamentos – em uma parte do prédio, uma rampa para se lançar o lixo faz com que a queda dos sacos soe, segundo a reportagem, “como uma bomba”, e esses foram alguns dos problemas que fizeram com que moradores célebres que compraram apartamentos quando da inauguração do 432 Park hoje já tenham vendido seus imóveis.

Engenheiros a par de algumas das disputas dizem que muitos dos mesmos problemas estão ocorrendo discretamente também em outras novas torres altíssimas da cidade.

O Grupo CIM, um dos desenvolvedores do edifício, disse em um comunicado que o prédio “foi projetado, construído e praticamente todo comercializado com sucesso” e que eles estão “trabalhando em colaboração” com a diretoria do condomínio para solucionar todos os problemas.

Um candidato a comprador anônimo de uma das unidades de apartamentos, citou uma “inundação catastrófica de água” que causou grandes danos do 83º ao 86º andar em 2016 como motivo para desistir do negócio. Ele tinha contrato por um apartamento de 46 milhões de dólares, e é membro da família Beckmann, proprietária da marca de tequila Jose Cuervo, segundo fontes familiarizadas com o processo. O caso foi resolvido discretamente no ano seguinte.

O grupo dos moradores contratou a SBI Consultants, uma empresa de engenharia, para estudar questões mecânicas e estruturais.

As descobertas iniciais mostraram que 73% dos componentes mecânicos, elétricos e hidráulicos observados não estavam de acordo com os desenhos dos desenvolvedores e que quase um quarto “apresentou problemas reais de segurança de vida”.

Visão completa do conceito aberto de um dos apartamentos. Fonte: 432 Park/divulgação.

Ação judicial

Na quinta-feira passada (23), os moradores do supertall abriram um processo de 250 milhões de dólares na Suprema Corte de Nova Iorque.

A causa principal foi uma explosão elétrica em junho que deixou os moradores sem energia e os ruídos e vibrações “horríveis” e inexplicáveis que acompanham o prédio desde sua inauguração.

Um total de 1.500 falhas de construção e projeto foram identificadas por engenheiros contratados pela diretoria do condomínio do prédio.

Muitos dos problemas são descritos no processo como “questões de segurança de vida”. A ação alega que os elevadores do prédio, por exemplo, deixaram os moradores presos por horas em várias ocasiões.

“Os proprietários de unidades pagaram dezenas de milhões de dólares para adquirir unidades. Longe dos espaços ultra luxuosos que lhes foram prometidos, no entanto, os proprietários das unidades venderam um prédio atormentado por quebras e falhas”, disse a denúncia.

Muita altura gera, necessariamente, muitos problemas?

Essa questão não é tão simples de responder, e tem dividido opiniões.

O site Curbed, de design urbano e imobiliário, fez essa pergunta a três especialistas em engenharia, e obteve respostas muito diferentes.

James von Klemperer, presidente da Kohn Pedersen Fox, uma empresa favorável a arranha-céus, diz que edifícios grandes e finos são propensos a tais problemas, mas esses “defeitos” são totalmente evitáveis.

O especialista em elevadores Steven Edgett culpa as frequentes paralisações e travas da 432 Park a poços muito estreitos.

Um engenheiro estrutural anônimo, cita como causa de tudo isso o desenvolvimento “estruturalmente corrupto” do edifício, que é muito comum em Nova Iorque. “As pessoas que constroem os edifícios não são responsáveis ​​por sua qualidade”, diz ele, observando que esse problema não se limita aos arranha-céus. O engenheiro disse que “contanto que os problemas não apareçam antes de eles sairem a propriedade, eles podem fazer o que quiserem.”

O problema de achar a “brecha na lei”

É importante ressaltar que os desenvolvedores do 432 Park exploraram uma lacuna na lei de planejamento, preenchendo um quarto de seus andares com equipamentos estruturais e mecânicos, que normalmente não contariam para a altura máxima do edifício (seriam contados como andares mecânicos).

No 432 Park, esses andares foram feitos especialmente altos, levando alguns a acreditar que os desenvolvedores simplesmente queriam que o edifício se elevasse sobre todos os outros e a qualquer custo.

Como o prédio é muito alto, a construção até exigiu a aprovação da Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos.

No fim, infelizmente, parece que o “construir para superar recordes” está mais generalizado e enraizado do que o “construir para as pessoas e para se viver bem”.

Veja a análise desse luxuoso e problemático edifício pelo Eng. Felipe Rodrigues, aqui do Canal da Engenharia:

https://www.youtube.com/watch?v=NeCLmLLhsxA&ab_channel=OCanaldaEngenharia

Fontes e Referências:

Ryan Waddoputs. 432 Park Is Having Some Growing Pains. Surfacemag. Fevereiro, 2021.

Stefanos Chen. The Downside to Life in a Supertall Tower: Leaks, Creaks, Breaks. The New York Times. Fevereiro, 2021.

One of NYC’s poshest buildings facing $250m lawsuit over building defects. BBC News. Setembro, 2021.

432 Park Avenue. Wikipedia. 2021.

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