O elemento básico da construção civil é o concreto. Ele é o material feito pelo homem mais amplamente usado que existe.
É relativamente barato e simples de fazer, é resistente e resiliente, e há séculos tem sido utilizado da construção de casas, edifícios, estradas, pontes, rodovias, e tantas outras obras de engenharia.
A estimativa é que 30 bilhões de toneladas de concreto são usadas a cada ano no mundo, e os números apontam que a demanda por concreto está crescendo mais fortemente do que por aço ou madeira.
O grande problema é que o dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases de efeito estufa que impulsiona as mudanças climáticas, é liberado por vários aspectos da produção de cimento, que é a base do concreto.
Pelo menos 8% das emissões globais de CO2 causadas por humanos vêm apenas da indústria de cimento.
Para se ter uma ideia, como bem colocado pela jornalista Lucy Rodgers em reportagem para a BBC, se a indústria de cimento fosse um país, seria o terceiro maior emissor de CO2 do mundo, atrás somente da China e dos Estados Unidos, e contribui com mais CO2 do que o combustível de aviação (2,5%) e não fica muito atrás do agronegócio mundial (12%).
Mas como tornar esse material, que é tão importante na engenharia mundial, mais sustentável? Isso provavelmente dependerá de muita pesquisa, tecnologia, mudança de paradigmas e de políticas públicas novas e bem estruturadas.
O concreto é segundo recurso mais consumido do planeta, perdendo apenas para a água.
Acredita-se que o uso mais antigo do concreto tenha ocorrido há mais de 8.000 anos, quando ligantes foram usados para criar pisos, edifícios e cisternas subterrâneas, principalmente na Síria e na Jordânia.
No entanto, o concreto que usamos hoje nas construções modernas deve muito de sua composição a um processo patenteado no início do século 19 pelo pedreiro Joseph Aspdin, do Reino Unido.
A nova técnica de torrar calcário e argila em um forno e depois moê-los até virar pó para fazer “pedra artificial” é agora conhecida como cimento Portland, e é ainda o ingrediente principal de quase todo o concreto moderno.
Na produção atual, o concreto é feito adicionando areia e cascalho ao cimento, batendo a mistura com água.
E é a fabricação do cimento a parte que mais gera CO2: Primeiramente, envolve o uso de combustíveis fósseis para aquecer uma mistura de calcário e argila a mais de 1.400°C em um forno. Depois, quando o calcário (carbonato de cálcio) é aquecido com argilas, na formação do clínquer, cerca de 600 quilos de dióxido de carbono são liberados para cada tonelada de cimento produzida.
Mas como diminuir a pegada de carbono do cimento?
Existem alternativas para substituir o cimento, como compostos restantes da produção de ferro e aço, conhecidos como escória, e pilhas de cinzas volantes não utilizadas, um material residual das usinas de carvão.
Uma das empresas que mais progrediu em alternativas para o cimento é a francesa Hoffmann Green Cement, que fabrica cimento sem clínquer com base em resíduos industriais, como escória de alto forno, cinza volante de biomassa ou resíduos de argila.
Recentemente, pesquisadores brasileiros testaram a substituição de uma parte do calcário por argila Belterra. Na pesquisa, a queima da mistura foi com apenas 1.250 graus Celsius, 200 graus menos do que para o cimento Portland convencional, reduzindo as emissões de CO2 tanto na substituição do calcário quanto no aquecimento da mistura.
No entanto, alternativas assim estão nos estágios iniciais de pesquisa e desenvolvimento e, além disso, o uso cimento continua sendo altamente lucrativo, o que por si só já desfavorece a utilização de outros materiais.
Devido a isso, é muito difícil imaginar um futuro próximo onde o cimento não exista.
Portanto, o foco imediato poderia ser diminuir a produção de CO2 durante o processo produtivo do cimento, o que pode ser alcançado de diferentes maneiras:
Utilizando combustíveis alternativos no processo produtivo
A ideia aqui é utilizar combustíveis com baixo teor de carbono, como hidrogênio ou biomassa e até resíduos, para substituir os combustíveis fósseis que são atualmente utilizados no aquecimento do calcário e da argila.
Alguns cientistas também estão examinando se a eletricidade poderia substituir a combustão a ser usada para o aquecimento.
Capturando e utilizando CO2
A captura de carbono pode ser uma parte crucial do processo de transição de descarbonização cimento.
Na Suécia, por exemplo, uma empresa anunciou em julho que quer capturar 1,8 milhão de toneladas de CO2 de uma fábrica de cimento e enterrá-lo no Mar do Norte.
Outra possibilidade é bombear o CO2 capturado no próprio concreto, o que também poderia melhorar as propriedades do material resultante.
Nesse último caso, o CO2 injetado reage com os íons de cálcio no cimento, produzindo mais carbonato de cálcio e, potencialmente, tornando o concreto capaz de suportar cargas maiores.
Pesquisadores da Universidade do Michigan analisaram recentemente de 20 diferentes tecnologias de armazenamento do CO2. Os pesquisadores perceberam que, entre todas as opções, a mais promissora é o concreto.
Um relatório também recente publicado por engenheiros do Imperial College London na revista científica Joule, mostra que a solução mais sensata pode ser combinar a queima de resíduos sólidos urbanos com a captura do carbono, o que poderia reduzir as emissões em 20% do seu nível atual.
Adicionando materiais reciclados ao concreto
Se menos cimento for utilizado para a produção do concreto, ou menos concreto for fabricado, em teoria, menos CO2 é gerado.
Misturas de concreto com agregado residual de construção e demolição, por exemplo, já estão bastante avançados na pesquisa científica.
Um ponto negativo dessa substituição é a variabilidade e incerteza nas propriedades e qualidade final do material reciclado, e como isso poderia afetariar as propriedades e durabilidade das estruturas produzidas.
Devido a isso, o uso de agregados reciclados tem sido limitado a aplicações não estruturais, como calçadas, estradas e em obras de nivelamento de terrenos.
Aderindo a novas tecnologias
O setor industrial de materiais de construção é dominado por um pequeno número de grandes produtores.
Infelizmente, o que se vê na prática é que eles relutam em experimentar ou mudar os antigos modelos de negócios.
Obviamente, precisamos de apoio, incentivo à pesquisa e financiamento por parte do governo.
Está muito claro que mundo não substituirá o cimento tão cedo.
Por isso, pesquisadores e governantes devem trabalhar juntos com a indústria de cimento para reduzir o impacto ambiental desse processo produtivo.
Nós continuaremos precisando de casas, edifícios, pontes e de todo o incrível trabalho de engenharia, mas também precisamos ter um mundo disponível e limpo para que tais construções possam ser feitas.
No início de outubro, a Associação Mundial de Produtores de Cimento e Concreto (GCCA), anunciou a intenção de acelerar o passo para uma produção menos poluente, com uma redução adicional de 25% de suas emissões de CO2 até 2030.
Essa associação, que já havia anunciado no ano passado a meta de atingir a neutralidade de carbono até 2050, reúne as principais empresas mundiais do setor, entre os quais estão gigantes como a suíça Holcim (antes LafargeHolcim), a mexicana Cemex e a chinesa CNBM, que em conjunto representam 80% da produção mundial, excluindo a China.
Fontes e referencias:
Lucy Rodgers. Climate change: The massive CO2 emitter you may not know about. BBC. 2018.
Q&A: Why cement emissions matter for climate change. CarbonBrief. 2018.
Concrete needs to lose its colossal carbon footprint. Nature. Setembro, 2021.
Cimento: origem, importância, riscos e alternativas. eCycle.
Paul S. Fennell, Steven J. Davis e Aseel Mohammed. Decarbonising cement production. Joule. Maio, 2021.
James Laggate. Emissions Related to Concrete May Halve by 2050 Even With More Use, Says Study. Engineering News-Record. Setembro, 2021.
Dwarakanath Ravikumar, Gregory A. Keoleian, Shelie A. Miller e Volker Sick. Assessing the Relative Climate Impact of Carbon Utilization for Concrete, Chemical, and Mineral Production. Environmental Science & Technology. 2021.
Jim Erickson. Climate benefits vs. burdens: Which products are best suited for emerging carbon capture technologies? Michigan News. Agosto, 2021.