Nos últimos tempos, o termo “bio” ganhou um lugarzinho à frente de muitas palavras: bioengenharia, biotecnologia, biossegurança, biocombustível.
Na construção civil não foi diferente. A biotecnologia por exemplo, embora tímida, tem ganhado força nos escritórios de engenharia mundo afora.
Segundo as Nações Unidas, o termo biotecnologia significa qualquer tecnologia que utilize sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos para utilização específica.
Na Engenharia Civil, o termo emergente é Biotecnologia da Construção (Construction Biotechnology). Esse termo é definido como o desenvolvimento de processos de construção mediados por microrganismos e o uso de biotecnologias para a produção de biomateriais de construção.
Aqui no Blog do Canal da Engenharia, vamos ver na prática como isso funciona, trazendo exemplos de materiais ou processos de construção biotecnológicos, na nossa série de artigos Biotecnologia na Engenharia Civil.
Bioconcreto: o concreto que repara suas próprias rachaduras
Talvez o mais emblemático dos materiais biotecnológicos na área de construção civil seja o bioconcreto.
Também chamado de concreto auto reparável, o bioconcreto foi criado em 2015 pelo microbiologista holandês Hendrik Jonkers, e seu objetivo é resolver um dos grandes problemas da construção civil: a durabilidade das estruturas.
O concreto é uma estrutura forte e resistente, no entanto, é normal que pequenas rachaduras apareçam no material com o tempo.
Essas rachaduras podem permitir que água entre no concreto e escoe pelas fissuras, podendo causar a corrosão do aço estrutural que acompanha o concreto.
A corrosão do aço pode enfraquecer toda a estrutura e aumentar o risco de um colapso que pode ser até catastrófico. Devido a isso, muito dinheiro é gasto para consertar essas pequenas rachaduras e manter a água longe.
A ideia do bioconcreto é que ele mesmo conserte suas próprias rachaduras que eventualmente venham a aparecer.
Mas como isso é possível?
O material é produzido misturando-se o concreto com um tipo de cápsula biodegradável. Nessas cápsulas, existem bactérias específicas e também uma substância chamada de lactato de cálcio.
Quando as rachaduras começam a aparecer, a água entra nas fissuras e ativa essas bactérias, que começam a se alimentar do lactato e a produzir gás carbônico (CO2).
Porém, o concreto é um material altamente alcalino e, por isso, o CO2 rapidamente se combina com o cálcio para formar carbonato de cálcio sólido, substância que vai, gradualmente, selando as rachaduras conforme vai sendo produzida.
Obviamente, nem tudo são flores. O preço das cápsulas ainda é caro e preencher rachaduras grandes ainda é desafiador, já que o processo de produção do carbonato de cálcio não é tão rápido assim.
Além disso, como qualquer tecnologia nova, ela precisa de tempo para se fixar e se tornar viável.
No entanto, algumas empresas já estão utilizando essa tecnologia na prática.
É o caso da startup Green Basilisk, empresa de Biotecnologia da Holanda.
Essa empresa foi contratada para fornecer as cápsulas aos construtores na restauração de uma antiga residência da família real holandesa, o Palácio Het Loo em Apeldoorn, construído no século XVII.
A parte restaurada está sendo o subterrâneo do palácio, onde as rachaduras e a infiltração têm afetado fortemente a estrutura.
O bioconcreto pode ser um aliado forte para reduzir o impacto ambiental da construção civil, já que só a produção de cimento mundial é de mais de 4 milhões de toneladas/ano, e é responsável por 8% das emissões globais de CO2.
Nesse sentido, o uso desse material inovador pode diminuir a quantidade de concreto utilizados para reparação de rachaduras e prevenir o abandono de obras pela falta de restauração, trazendo benefícios não só ambientais, mas também econômicos.
Referências
Nações Unidas. Convenção sobre Diversidade Biológica (Artigo 2. Utilização de Termos). 1992.
V. Stabnikov, V. Ivanov, J. Chu. Construction Biotechnology: a new area of biotechnological research and applications. World J. Microb. Biotechnol. v.31, 2015.
Goyal, N. Self-Healing Concrete Can Repair Its Own Cracks with Bacteria. Em: https://www.industrytap.com/self-healing-concrete-can-repair-cracks-bacteria/29051. 2015.
Preston, F.; Lehne, J. Making Concrete Change Innovation in Low-carbon Cement and Concrete; Chatham House, The Royal Institute of International affairs. 2018.
Schreiberová, H.; Bílý, P.; Fládr, J.; Šeps, K.; Chylík, R.; Trtík, T. Impact of the self-healing agent composition on material characteristics of bio-based self-healing concrete. Case Stud Constr Mater. v.11, 2019.
Peplow, M. Bioconcrete presages new wave in environmentally friendly construction. Nature Biotechnology. v.38, 2020.
Imagem de capa: Henk Jonkers, Delft University of Technology. Em: www.instituteofmaking.org.uk/materials-library/material/self-healing-concrete#gallery-window.